— E por que teria o que dizer?
Dois insights das leituras de autores japoneses que me acompanham levam a iniciar esta edição da Newsletter. De resto, algo sem futuro, mas que faço por absoluta falta do que fazer. Penso, inicialmente, que já há muitas newsletter boas e esta não há de agregar muito. Há a febre em torno de um personagem do Alexandre Soares Silva (ASS) para a qual não hei de contribuir com nenhum micróbio criativo. Há o Tosetto, o Shikida, o De Leones. Ah, e last but not least, há o Polzonoff. Ache outros links ao final desta.
A primeira idéia que me ocorre para não descontinuar este meio de expressão me vem de Murakami, no recém lido “Do que estou falando quando falo de corrida”. Ele fala do respeito à exaustão do corredor (maratonista) e o paralelo com a exaustão literária.
A segunda, diz respeito à decrepitude, à decadência física, à velhice. E, por que não, à sensualidade. Eu conheço um bom escritor que hoje tem a idade do personagem do livro que estou lendo agora —77: a idade de Tokosuke Utsugi, o narrador de “Diário de um velho louco” se confessa como “totalmente incapacitado para gerar um filho, mas ainda assim capaz de me sentir sexualmente estimulado por meios heterodoxos e indiretos”. Vive de uma lascívia diversa do ser sexualmente ativo:
— Neste momento, vivo apenas em função desse tipo de prazer e dos prazeres da mesa. Não tenho nenhuma intenção de apegar tenazmente à vida, mas uma vez que continuo vivo, não posso deixar de sentir atração pelo sexo oposto. E acredito que a atração persistirá até o exato momento da minha morte.
Não por acaso o diário começa com peças no teatro Dai-ichi, em Shijuku, com as peças “Além do amor e do ódio”, “Histórias de Hikoichi” e “As peripécias de Sukeroku na zona do meretrício”. O teatro é o olho mágico do personagem em direção ao prazer.
O meu colega escritor que desistiu do ofício confessou-me, ao finalizarmos uma garrafa de Old Parr, que o fazia por acreditar que tudo é ilusão. Começara lendo Krishnamurti e foi se convertendo lentamente do ateísmo (ou agnosticismo) de uma vida a uma crença quase hinduísta. Àquela idéia indiana de que o mundo físico é uma ilusão. O véu de Maya etc. etc.No dia daquele inesquecível Old Parr, na chácara dele, ouvi que tinha aprendido com um colega dele, escritor também, mas já falecido (e dos bons; ele próprio não é ruim, diga-se en passant), que sempre escrevia com a consciência de que tudo em volta era apenas um pano de fundo para a imaginação. E, portanto, ilusão. Um dos contos daquele escritor é inesquecível — chama-se “A ilha dos gatos pingados”. Eu recomendo. Ouça a ilha aqui.
A chácara não existia, pois; nem os cães que me assustaram à chegada, não há uísque e nada mais — só ilusões. Provavelmente eu próprio que estava ali não havia; e ali estava para uma missão deveras importante para minha frustrada “carreira de escritor”, pois como o benévolo leitor sabe esta é uma batalha que está perdida há muito tempo…
Enfim, voltemos ao tema inicial. O meu amigo escritor da chácara desistiu de tudo, depois de vários bons romances, um ou dois bons livros de poesia (num deles a epígrafe é do gigante Tasso da Silveira) e muitas reportagens. Ele desapareceu. Está em plena “exaustão literária”. Fez como o Pelé, ao abandonar o jogo com uma carreira, digamos que não com mil gols, mas com alguns belos e memoráveis gols.
O segundo tópico, eu finalizo com uma nota do Santo que me aponta um caminho para livrar-me de me tornar um velho decrépito e devasso. Quem anotou a máxima foi Santo Afonso Maria de Ligório (em Teologia moral), mas o pensamento é São Boaventura. Assunta só:
"Deve-se tomar cuidado com a consciência muito frouxa e com a muito estrita. A primeira engendra a presunção; a segunda, o desespero..." (S. Boaventura, cit. S. Afonso de Ligório).
À toute à l´heure. Sayonara.Beto.